A chuvinha rala que ia e voltava, resolveu parar de vez, mas ainda deixando o clima bastante úmido. O frio não compartilhou da trégua dada pela garoa. Estávamos, então, eu e Erick, meu amigo atrasado, mas ainda assim um bom amigo, além de ser O baterista da minha banda (Revertebrados), murmurando conjecturas em cima da idéia de "E se tivéssemos vindo de ônibus e chegado antes..." visto que o trajeto seria diferente e talvez menos turbulento. Mas resolvemos não chorar o Herbie já tocado e continuar a tirar sarro da nossa própria cara, o que é muito mais interessante.
Eis que o meu celular toca o som dos violinos tensos da trilha de Psicose, filme de Hitchcock... Olho no visorzinho, riscado do celular mal-acabado, esta lá: "Número desconhecido chamando". Atendo:"Opa, alô!"."Eae seu sacana, é o Zézão, cara!"."Falaaa Zé, beleza?". "Po cara fiquei sabendo que vocês foram aí ver o tal do hancock e nem deram um toque, porra". "Putz Zé foi mal cara foi tudo de última hora e ..." Falei as desculpas eventuais de sempre, que até eram verdadeiras, neste caso. "Ta cara, pega nada já saí tem um tempo e tô chegando aí". "Beleza Zé, chegando dá um toque que agente se encontra".
Detalhe interessante a se frisar, o Zé, grande Zézão, é um bom amigo também, além de ser o baixista da minha banda (Revertebrados). E o mais importante pra deixar claro, ele também não tem crédito no celular e nem carro, estava ligando do celular emprestado do dono do carro o qual ele estava pegando carona. Afinal onde já se viu, cara com crédito no celular e com carro, ser músico? Se tiver um assim, pode ter certeza que o cara não é muito bom, ou não é confiável.
O frio não dava descanso e eu já começava a sentir minha garganta estranha. Não, não era dor de garganta. Amidalite? Não dessa vez. Tosse? Nada disso. Precisava de um golezinho de cerveja. Ou algo com um pequeno teor alcoólico. Ir num show e não tomar nem uma gelada chega a ser até anti-ético. Mãos rumo ao bolso, carteira aberta, olha de um lado, nada, de outro nada, no bolsinho das moedas nada, nada, nada vezes nada. "Po erick, num tem uma graninha aí cara pra agente tomar um negócio?" (tomar um "negócio" sempre foi um expressão de eufemismo que muito me agradou).
Acontece que o cidadão tinha dado a única grana que possuía pro desgraçado que nos deu uma carona sem-vergonha de mais de uma hora de trânsito. O cara só porque era o "dono-da-bola" resolveu que "Ahh 10 conto ajuda na gasosa" e simplesmente extorquiu meu passivo e paciente amigo. E de quebra ainda pediu uma força pra mim que me senti coagido e dei pelo menos uns 2 reais. O problema é que eu não sabia que eu só tinha aquilo no bolso, e o Erick também. O que nos deixava, então, em pleno parque Villa-lobos, no meio do nada de São Paulo, num frio e lama, sem um tostão pra tomar "um negócio" qualquer.
Pra distrair então resolvi sacar a maquina fotográfica (que não é minha também, porém seqüestrada) e fazer algumas fotos do belo lugar, visto que já poderia adiantando um trabalho de faculdade, de fotos, e me distraía aguardando o Zé chegar e aí provavelmente ele teria uma grana pra comprarmos o "negócio nosso de cada dia". Já havia ouvido pelas conversas alheias que o show da Macy logo viria, então ao menos algum show completo ainda iria assistir.
Os violinos hicthcockianos tocavam novamente, então pus-me de prontidão a atender o celular. O cidadão de nome Zé já havia aterrissado no local. Marcamos um ponto a "esquerda do palco", "mas qual esquerda?", "A de quem está em cima do palco tocando para o público". " Esquerda do Herbie, então", "isso a esquerda do Herbie". Isso na verdade foi puramente simbólico já que o pianista já havia saído do palco há algum tempo. E claro que existiam dois pontos semelhantes ao que tinhamos marcado e houve uma certa dificuldade de encontra-lo, até porque o erick fez questão de se perder de mim também, mas no fim, todos achados e já devidamente cumprimentados.
"Po você nem me avisou que o Herbie já tinha acabado". "Ahh cara pensei que vc tinha se tocado, por não ter ouvido o som do herbie de fundo". "Mew eu ouvi um som mais ou menos, pensei que vcs estavam longe só". "Mas porra, o som que ta rolando agora é Miles e não é ao vivo..." "Puta merda, além de eu estar puto contigo falando num telefone celular de merda, você acha que eu ia perceber que o som de fundo num era ao vivo e num era o Herbie?".
Risadas muito alta foram dadas, alguns xingamentos foram trocados e mais risadas ainda as seguiram, tudo tranqüilo. Até que: "Hey, hey Zézão, você tá com uma grana aí né pra agente comprar uma cervejinha?". " Por que? Vocês estão zerados?" "é cara, estamos". "Então, tenho sim... mas só to com 5 conto na carteira."
A feição de decepção tomou conta de minha face, e parecia ser contagioso, pois todos estavam com caretas semelhantes de desapontamento, 5 reais divido pros três nem na melhor das hipóteses daria uns 200ml de uma cerveja vagabunda qualquer que tivessem vendendo, pra cada. Mas ainda assim risadas foram dadas.
E o primeiro som do bumbo do batera nervoso da Macy, com sua Big Band de grande presença, começou a soar, chamando a atenção do público para o palco.
Continua... (finalmente o show da Macy, e a volta pra casa)
